Algodão colorido conquista mercado internacional de moda
De símbolo regional em lojas de artigos para turistas, o algodão colorido alcançou o status de peças de luxo em feiras internacionais. As coleções são exportadas para a França, Itália, Espanha, Alemanha, Japão, Estados Unidos e países escandinavos.
Em abril de 2015, o algodão colorido produzido no Semiárido estará presente na feira "1.618 Luxo Sustentável", em Paris. O evento seleciona as melhores iniciativas voltadas para o consumo sustentável ao redor do mundo.
No Assentamento Margarida Maria Alves, a 100 km da capital João Pessoa (PB), quinze famílias de assentados cultivam o algodão colorido que vira peças de luxo para o mercado externo.
Segundo a estilista Francisca Vieira, presidente da Associação da Indústria do Vestuário da Paraíba (Aivest-PB) e do grupo Natural Cotton Color, o perfil do consumidor das peças de algodão colorido é um público consciente e com alto poder aquisitivo, que se preocupa com a origem do produto que consome.
"O nosso consumidor quer saber se eu pago um preço justo para o produtor, para as rendeiras, bordadeiras, costureiras... Ele quer um produto com uma boa história para contar", afirma.
Para atrair esse público exigente, Francisca Vieira aposta no design. "Nosso produto não é simplesmente uma peça regional. Nós temos um design arrojado, que usa a intervenção do artesanato em função da moda", define.
Para diversificar as cores disponíveis, a estilista lança mão de tingimentos naturais à base de cascas e folhas de plantas como cajueiro, mangueira e barbatimão.
A Casulo Arte Natural, empresa de bolsas e acessórios sediada em Campina Grande (PB), fabrica em média três mil bolsas tipo exportação e de cinco a oito mil bolsas para o mercado interno, de acordo com a disponibilidade de matéria-prima.
"Nós trabalhamos com dois tipos de clientes: os turistas, em busca de souvenirs e pouco dispostos a gastar, e o mercado externo, para o qual contratamos uma estilista a partir de uma consultoria da Associação Brasileira de Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) e Sebrae-PB, que desenvolveu coleções para esse público", conta o proprietário da empresa Marcelo Lacerda. "Além do algodão colorido, nós utilizamos o couro caprino natural, que é outra matéria-prima da nossa região, para o acabamento dos produtos", acrescenta.
Da Paraíba a Paris
A pluma marrom teima em crescer no meio da paisagem seca do agreste paraibano, onde nem o feijão e o milho resistiram à falta d'água. O cultivo de algodão colorido orgânico é uma das principais fontes de renda do Assentamento Margarida Maria Alves, situado no município de Juarez Távora.
A área de 18 hectares não chega a aparecer nas estatísticas oficiais de produção do algodão no Brasil, mas chama a atenção do mundo da moda sustentável por ser uma alternativa ao sistema de produção tradicional com alto uso de insumos e de água.
Quinze famílias de assentados cultivam o algodão colorido em sistema de sequeiro, sem nenhum tipo de adubo ou inseticida sintético.
O algodão é certificado pela Associação de Certificação Instituto Biodinâmico (IBD) e a partir do próximo ano receberá o selo de certificação orgânica participativa, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o que representará uma redução dos custos de produção, tendo em vista que o produto será avaliado pelos próprios agricultores, com a supervisão da Superintendência Federal da Agricultura no Estado da Paraíba.
O agricultor Aluísio Rodrigues dos Santos cultivava o algodão branco desde criança e há quatro anos ouviu falar do algodão colorido, ficou curioso e resolveu experimentar.
"Apareceu essa semente de algodão que vinha das bandas de Remígio (Município da Paraíba), aí eu disse: ‘eu quero uns cinco quilos da semente desse algodão para ver se é bom'. Recebi dez quilos e a renda é melhor que o branco. Então resolvi só plantar ele. A renda é melhor, tem mais preço."
O algodão é beneficiado no próprio assentamento na miniusina descaroçadora desenvolvida pela Embrapa para os pequenos produtores de algodão. A máquina separa a semente da fibra; a semente fica no assentamento para o próximo plantio e para alimentação animal; e a fibra segue para a indústria de fiação em Campina Grande e João Pessoa e, depois, para teares mecânicos rústicos que ainda existem em diversos municípios paraibanos.
Neste ano, foram colhidos cerca de cinco mil quilos de fibra, negociada antecipadamente com a Associação da Indústria do Vestuário da Paraíba a R$ 10,00 o quilo.
Como já nasce colorida, a fibra dispensa o uso de produtos químicos para tingir o tecido e economiza 83% de água no processo de acabamento da malha, em comparação com os tecidos coloridos artificialmente. Essas características tornam o produto muito procurado pelas empresas voltadas para a chamada "moda verde".
Os desafios da produção
Além da escassez de água, o algodão colorido precisa sobreviver ao bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), uma das principais pragas da cultura. O inseto contribuiu para a diminuição gradativa das plantações de algodão branco na região Semiárida, que já foi a maior área de produção algodoeira do País.
O bicudo ataca o botão floral do algodoeiro e deposita o ovo dentro dele. Depois de furado pelo bicudo, o botão cai e em aproximadamente 25 dias surge um novo inseto adulto.
"Uma fêmea pode perfurar até 200 botões e se não for feito o controle, pode botar toda a safra a perder", explica o analista da Embrapa Algodão, Isaias Alves.
Para conviver com o bicudo, seu Aluísio apanha e destrói os botões infestados pela larva do inseto. "Antigamente, ninguém catava os botões que o bicudo furava e, se não apanhar os botões que caem, nasce cada vez mais bicudo. Por orientação da Embrapa, a gente começou a apanhar e o bicudo foi acabando. Faz quatro anos que eu planto e olha aí a produção."
Depois da colheita os animais são soltos no campo. A criação de gado bovino e caprino é outra fonte de renda para os produtores do assentamento. "Os bichos comem os restos das plantas, a gente corta o que sobra e deixa o campo limpo pra plantar no próximo ano", diz.
O presidente da associação de produtores do assentamento, Luiz Rodrigues da Silva, conhecido como seu Betinho, destaca que outra medida importante para o controle do bicudo na área é concentrar o plantio numa mesma época para que a praga não migre de uma plantação para outra e tenha sempre alimento disponível. "Se alguém plantar fora da época atrapalha os outros", enfatiza.
Pesquisa busca novas cores
O algodão colorido é tão antigo quanto o algodão branco. Muitas espécies silvestres datadas de 4.500 anos foram encontradas em escavações no Peru e no Paquistão. Mas esse tipo de algodão tinha fibras muito curtas que não serviam para a fiação.
"Quando nascia um pé de algodão colorido era arrancado para não se misturar com o branco", lembra o analista Isaias Alves.
Depois de 20 anos de melhoramento genético, a Embrapa Algodão obteve variedades de pluma colorida aptas a serem utilizadas na indústria têxtil. Foram lançadas cinco variedades em tonalidades que vão do verde-claro aos marrons claro, escuro e avermelhado.
Para 2015, está previsto o lançamento de outra variedade marrom, mais produtiva e com maior qualidade de fibra.
"O primeiro passo foi escolher uma planta com cor interessante para cruzar com uma planta de fibra branca de boa qualidade. Depois selecionamos várias plantas que nasceram com uma cor bonita, boa produção e mandamos a fibra para analisar em laboratório. Guardamos as melhores sementes e plantamos em linhas para observar se nascem com características homogêneas, resistência a doenças e boa produção", relata o pesquisador da Embrapa Algodão, Luiz Paulo Carvalho, responsável pelo desenvolvimento das variedades de algodão colorido.
Esse processo é repetido em média de sete a oito anos para se chegar a uma nova variedade pronta para ser lançada no mercado. Conforme o pesquisador, diversas tonalidades de marrom estão em análise no campo experimental e no prazo de até três anos deve-se chegar a duas novas variedades. "No médio prazo, esperamos obter também uma variedade na cor rosa", adianta.
Todas as variedades lançadas foram obtidas por meio do melhoramento genético convencional, cruzando-se plantas de algodão entre si.
Outra linha de pesquisa busca obter o algodão de cor azul. Mas como não existem plantas de algodão com a cor azul na natureza, os pesquisadores estão recorrendo à biotecnologia para transferir o gene que fornece a cor azul para a fibra do algodão. "No momento, uma construção gênica que poderá produzir a cor azul na fibra está sendo introduzida no genoma do algodão", diz Luiz Paulo.
Para ele, o algodão azul reduziria significativamente o uso de tinta na indústria têxtil. "Se tivéssemos este algodão, nós o utilizaríamos para confeccionar o jeans, por exemplo. Seria sem dúvida um grande avanço, pois o mundo inteiro fabrica jeans e se gasta muita tinta para a produção do tecido", observa.
Desafio é aumentar a escala de produção
Com o objetivo de articular todos os elos envolvidos na cadeia produtiva da pluma, a Embrapa Algodão ajudou a organizar em 2011 o Comitê Gestor do Arranjo Produtivo Local de Confecções e Artefatos de Algodão Colorido do Estado da Paraíba, que integra empresários, produtores e suas organizações e instituições de apoio (Embrapa, Abit, FIEP, APEX, Senai, Sebrae, bancos públicos e privados, Governo do Estado da Paraíba, Mapa, SFA-PB e Conab-PB).
Uma das principais conquistas do comitê gestor foi a garantia de compra da produção do algodão colorido, que deu segurança ao produtor para realizar o plantio e alimentar a cadeia produtiva do Estado que envolve tecelagens, confecções e pequenas indústrias de moda e decoração.
Para o coordenador do comitê gestor e especialista em agronegócio da Embrapa, Gilvan Ramos, o desafio agora é ampliar a produção para atender novos mercados. "Grandes marcas nacionais e internacionais têm procurado o algodão colorido orgânico a fim de desenvolver linhas sustentáveis, e a produção precisa urgentemente ganhar escala produtiva e regularidade de oferta", salienta.
Ele acredita que a tecnologia algodão naturalmente colorido já dá sinais mercadológicos de que não permanecerá por muito tempo ainda como um nicho de mercado. "A China já planta 21 mil hectares de algodão colorido orgânico enquanto o Brasil só alcançou até hoje 1.800 hectares", analisa. "A tendência é o cultivo do algodão naturalmente colorido se espalhar no mundo todo, inclusive, já se vende sementes de algodão colorido norte-americano on line", complementa.
Entre os planos do comitê gestor, estão a implantação de polo têxtil e de confecções de fibras naturais, que incluem o algodão colorido, em João Pessoa. "Isso vai ampliar muito a nossa cadeia produtiva", diz o proprietário da Casulo Arte Natural.
"Existem questões econômicas ainda a serem solucionadas, mas imagino que a médio prazo aumentaremos muito a produção, tendo em vista que este tipo de matéria-prima reduz drasticamente o consumo de água e produtos químicos nas etapas de produção, pois dispensam a etapa de tinturaria", avalia o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Rafael Cervone.
Consumo consciente
Para Cervone, o consumidor brasileiro ainda tem comportamento contraditório em relação à moda sustentável.
"Ao mesmo tempo que ele acha importante a sustentabilidade do planeta, ele não está disposto a pagar mais por isso. Acredito que falta informação mais aprofundada sobre os impactos no meio ambiente e de que o barato hoje sairá muito caro amanhã. Começamos a entender consumo consciente agora, já existem várias pessoas no Brasil que o praticam, mas ainda é pouco comparado aos europeus, por exemplo. Enquanto a maioria dos brasileiros não exigir produtos sustentáveis, ainda teremos empresas e países produzindo e fornecendo ao nosso mercado sem pensar nas futuras gerações", declara.
Conforme o presidente da Abit, a sustentabilidade é uma das questões que está na agenda de discussões do setor têxtil, visando "ser ainda mais sustentável no ciclo total de vida do produto, desde a produção das matérias-primas, passando por todos os processos de produção das roupas, até chegar ao consumidor final mais consciente, que vai exigir a reciclagem daquele produto".
Outras iniciativas voltadas para a sustentabilidade na indústria da moda, apontadas por Cervone são: redução de resíduos, reaproveitamento de água, utilização de lodo como fonte energética, uso de corantes naturais, fibras sintéticas biodegradáveis, desfibramento das roupas usadas e de retalhos para fazer novos fios; reciclagem de garrafas PET para transformá-las em fibras que, por sua vez, serão transformadas em camisetas.
Além disso, é preciso estimular os bons exemplos das marcas que trabalham a sustentabilidade. Cervone enfatiza que o Brasil já possui uma imagem de referência no mundo quando o assunto é moda sustentável. "Mas não há dúvida de que ainda há muito a ser feito", conclui.