Espécies arbóreas modificam microclima em sistemas integrados
A escolha das espécies, nativas ou exóticas, assim como o arranjo espacial das árvores, influencia nas variações microclimáticas dos sistemas integrados em regiões tropicais, como o Cerrado brasileiro.
Essas são as primeiras constatações de pesquisas conduzidas pela Embrapa, em Campo Grande (MS), referentes à ambiência e ao conforto térmico animal.
Os resultados indicam que os sistemas com menor densidade de árvores, com no mínimo 22 metros de espaçamento entre fileiras de eucalipto, e espécies nativas dispersas aleatoriamente na pastagem (média de cinco árvores por hectare), são capazes de garantir o fornecimento de sombra em quantidade e qualidade suficientes e adequadas aos animais.
"Nem toda sombra é igual, as características intrínsecas de cada espécie, como porte, tipo de copa, forma e coloração das folhas. influenciam na sombra ofertada, sendo que a área ideal para regiões tropicais é de 10 m2 de sombra por animal.
As árvores nativas testadas, cumbaru e cambará, apresentaram resultados interessantes do ponto de vista bioclimático, como maior projeção de sombra, devido às folhas largas e à copa globosa.
O eucalipto, por sua vez, com copa em formato elipsoide (ou cone), oferece sombra mais localizada, porém de qualidade superior, pois bloqueia maior quantidade de radiação solar", confirma Fabiana Villa Alves, pesquisadora da Empresa, que desde 2010 é uma das responsáveis por esses estudos.
Atualmente, os índices utilizados para verificação se o animal está ou não em estresse térmico foram determinados em regiões de clima temperado e com bovinos da raça taurina, situações distintas das condições de pecuária tropical.
Diante disso, para a especialista, ainda há muito a estudar sobre conforto térmico. Essas primeiras conclusões estão na tese de mestrado de Nivaldo Karvatte Júnior, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), coorientado por Alves.
Sombra, umidade e temperatura na medida certa
Os ensaios demonstram que, no final do inverno, em setembro, ao sol, a temperatura do ar chegou a ter picos de 43,5oC, 39,4oC e 37,8oC em três combinações – sistemas com menor densidade (22 metros entre renques); árvores nativas; maior densidade (14 metros). Contudo, à sombra e na mesma ocasião, o ambiente menos adensado foi capaz de reduzir em 8,9oC a temperatura; seguido pelo das espécies silvestres, 6,3oC; e do mais adensado, 3,1oC.
As nativas ofereceram maior quantidade de sombra às 9 e às 15 horas. A incidência de radiação solar é elevada entre às 10 e 16 horas. O mesmo padrão de sombreamento encontrou-se para o eucalipto.
Quanto à umidade relativa do ar (UR), ao sol, os menores valores foram 15,2%, 18,9% e 20,4% para os ambientes menos adensados, com nativas e mais adensados, respectivamente. Já à sombra, os índices foram 22%, 23,2% e 23,6%, conforme Alves e Karvatte Junior.
Os registros de temperatura do ar ao sol, em determinados momentos, foram superiores ao considerado crítico, 35oC, para a raça zebuína, que compõe 85% do rebanho nacional, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC).
Os índices de umidade relativa também não estão na faixa de UR confortável, 60% a 70%, mas são números significativos quando os dados mais recentes sobre conforto bovino, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET/2013), enquadram o Cerrado em situações de alerta e atenção.
Tal dimensionamento criterioso do número de árvores (densidade) em integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) é capaz de mudar o status de alerta para atenção em uma região.
"Não se integra árvores em sistemas pastoris pensando somente no bem estar e no conforto térmico. Deve-se buscar um equilíbrio entre o que é bom para o animal, para o pasto e para a própria árvore", enfatiza Alves. Para ela, um ambiente muito denso, que privilegie somente o componente arbóreo, trará problemas à pastagem e ao animal.
Neste caso, "cria-se uma atmosfera abafada, um bolsão de calor, com pouca circulação de vento e alta umidade. Ao invés de beneficiar o animal, acaba prejudicando seus mecanismos termorreguladores".
Desempenho de pastos e novilhas
Os sistemas com menores densidades de eucaliptos (22 metros) e com árvores nativas, destacaram-se também em relação ao desempenho de novilhas Nelore em pasto. "Tivemos maior disponibilidade de forragem, média de 3,94 t/ha de matéria seca, proporcionando maior taxa de lotação, 3,16 animais/ha, e maior ganho de peso vivo animal por área, 235 kg/ha.
A inclusão do componente arbóreo e a alteração do microclima favoreceram o bem estar e a produtividade animal e a qualidade da forragem", avalia Roberto Giolo de Almeida, doutor em forragicultura e pastagens. Um dos maiores receios dos produtores na inserção arbórea é manter índices de produção semelhantes ao ambiente não arborizado.
O pesquisador explica que no tratamento com 14 metros de espaçamento entre fileiras de eucalipto, árvore e pasto competem por luz. Individualmente, os bovinos ganham peso, tem à disposição forragem de melhor valor nutritivo e estão em conforto térmico, mas a produção total cai, principalmente, pelo efeito do sombreamento. A taxa de lotação fica em 2,14 animais/ha e o ganho de peso vivo em 168 kg/ha. Para o pecuarista focado em obter mais madeira que carne é recomendado.
Os testes foram realizados durante a época de chuvas (dezembro, janeiro e fevereiro). Após sete anos, essas são as impressões iniciais e os passos a seguir serão as avaliações dos componentes animal, forrageiro e florestal, após o desbaste das árvores no oitavo ano de implantação dos sistemas, que consiste na retirada de algumas árvores, como fonte de renda e estratégia de diminuição do sombreamento para melhor desempenho forrageiro e animal até o final do ciclo, 12 anos. Os estudos são acompanhados pelos estudantes de mestrado Érick Lemes Gamarra e Caroline Carvalho de Oliveira, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Universidade Federal dos Vale do Jequitinhonha e Mucuri, respectivamente, coorientados por Almeida.
Refinamento de parâmetros
A fazenda Boa Aguada, localizada em Ribas do Rio Pardo é a pioneira em Mato Grosso do Sul a implementar os sistemas silvipastoris, em 2006. Só de florestas de eucalipto são dois mil hectares, comercializados para produção de carvão, celulose e serrarias da região.
"Observarmos ganhos de peso similares e até melhores em relação a áreas com pastagem solteira, mas não há muitas referências sobre espaçamentos adequados, no qual se pode analisar o comportamento do capim empregado em relação ao crescimento de árvores", pondera o engenheiro florestal Moacir Reis, gerente agroflorestal do Grupo Mutum, o qual a propriedade pertence.
Nessa área, pesquisadores da Embrapa testarão em cerca de 50 hectares silvipastoris, com braquiária e eucalipto, seis tratamentos. Além dos parâmetros microclimáticos, serão realizadas avaliações fisiológicas, comportamentais e de desempenho dos animais (nelore em recria), do componente arbóreo e da pastagem, e de solo.
"Pelos dados que coletamos, arriscamos afirmar que o espaçamento ideal para espécies exóticas, como o eucalipto, em sistemas ILPF no Cerrado, será acima de 26 metros", sugerem os pesquisadores envolvidos, que nos próximos três anos coletarão, sistematicamente, dados nos 50 hectares.
Para Moacir, quanto mais refinadas as informações, melhores os resultados para o ambiente. "O consórcio evita a variação brusca de temperatura, gerando um conforto térmico aos animais, principalmente no verão intenso da nossa região e no inverno, com geadas e quedas bruscas de temperaturas".
As árvores nativas têm crescimento demorado, enquanto o eucalipto está no auge entre cinco e sete anos. Muitas vezes, as nativas não são utilizadas como produto madeireiro ou extração de óleos essenciais, objetivos principais da opção pela exótica.
Entretanto, fornecem frutos para a alimentação animal, atraem a fauna, aumentando a biodiversidade, e, se forem leguminosas, melhoram a qualidade do solo. "Não há um conceito de que uma é melhor que a outra. Uma modifica o ambiente diferente da outra e o produtor deve escolher, antes de tudo, de acordo com as características de clima e solo mais adequadas a cada espécie e também o mercado consumidor final do produto madeireiro. Não existe receita de bolo, e para cada propriedade e/ou região existem diferentes possibilidades, daí a necessidade de um bom planejamento", conclui a zootecnista Fabiana Alves.
Foto: Eliana Cezar