Plantio direto contribui para mitigação dos gases de efeito estufa
Pesquisa realizada na região central do Cerrado brasileiro e publicada na Nature/Scientific Reports
mostra que os estoques de carbono em solo sob sistema de plantio direto
(SPD) no longo prazo podem se equiparar aos valores originais
observados em solo de Cerrado nativo.
O trabalho avaliou a dinâmica dos
estoques de carbono do solo em áreas de plantio direto sob diferentes
tempos de adoção. O estudo é resultado de um trabalho que começou na
Embrapa Cerrados em 2001.
O sequestro
de carbono foi avaliado em áreas agrícolas sob plantio direto nos
municípios de Rio Verde e Montividiu, na região sudoeste de Goiás,
consideradas representativas da agricultura intensiva da região do
Cerrado. Para o desenvolvimento do estudo foi utilizada uma
cronossequência.
"Esse tipo de abordagem permite realizar observações em
condições de fazenda, nas quais áreas agrícolas com características
semelhantes de clima, solo e relevo são comparadas de acordo com seu
histórico de uso", explica o pesquisador da Embrapa Cerrados Robélio
Marchão, um dos idealizadores do estudo.
O
sequestro de carbono em solos agrícolas é um processo importante, pois é
uma forma de mitigação do efeito estufa. Além disso, o acúmulo de
carbono no solo promove outros benefícios sobre a qualidade do solo,
tanto do ponto de vista químico, quanto físico e biológico.
As pesquisas
foram conduzidas em parceria com a Embrapa Arroz e Feijão (GO), Centro
de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o
Desenvolvimento (Cirad), da França, Centro de Energia Nuclear na
Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP), Universidade
Estadual de Londrina (UEL) e Universidade de Rio Verde (UniRV).
Resultados
Um dos objetivos iniciais da pesquisa era avaliar se a longo prazo o
sistema plantio direto continuaria a estocar carbono no solo ou se
haveria uma saturação do carbono no perfil. "Já existiam na literatura
relatos de que, após aproximadamente 20 anos, o plantio direto deixaria
de acumular carbono no solo por causa de uma possível saturação. Esse é
inclusive o prazo adotado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC) para se determinar a contribuição pela adoção do
sistema. Mas permanecia a dúvida se esse critério era válido para
condições tropicais", esclarece Marchão.
O
estudo foi baseado na comparação de duas épocas de amostragem, 2003 e
2011. Na primeira fase da pesquisa, percebeu-se uma variação muito
grande, com uma elevada taxa de acúmulo de carbono nas áreas de plantio
direto.
Nessa época, as áreas estudadas possuíam histórico de adoção de
um a 13 anos. A pesquisa avaliou uma cronossequência de áreas cultivadas
sob sistema de plantio direto em diferentes tempos de adoção desde a
conversão do preparo convencional do solo − amostrada em 2003 e
revisitada em 2011.
De acordo com o
pesquisador, os teores de carbono do solo nas áreas de Cerrado nativo e
pastagem contínua foram também amostrados como referência. Os principais
resultados observados revelaram que, no período de aproximadamente
entre 11 e 14 anos, os estoques de carbono do solo sob sistema de
plantio direto foram elevados, se aproximando dos observados no Cerrado
nativo.
"As taxas médias anuais de sequestro de carbono estimadas
utilizando o método da cronossequência foram 1,61 e 1,48 Mg C ha−1 ano−1
(megagrama de carbono por hectare por ano) nas amostragens de 2003 e
2011, respectivamente, e revelaram-se maiores que aquelas observadas ao
comparar os mesmos locais amostrados após o período de oito anos. O
método de comparação diacrônico, que faz uso de resultados dos estoques
nos sistemas dentro de uma mesma época (ano) de avaliação, revelou que
as áreas sob sistema de plantio direto mais recentes apresentaram
tendência de maiores incrementos no estoque de carbono em comparação às
áreas mais antigas", afirma.
Segundo o
especialista, estima-se que a conversão de uma área extra de oito
milhões de hectares sob sistema de plantio convencional para sistema de
plantio direto permitirá atingir uma taxa de sequestro de carbono
atmosférico de oito milhões de toneladas (oito teragramas) por ano no
período de dez a 15 anos após a conversão.
"Esses resultados são
extremamente importantes para se avaliar o potencial da tecnologia do
plantio direto, uma vez que ela é umas das opções do Plano Setorial de
Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de
uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC)",
afirma.
Perspectivas
Prática agrícola comumente adotada por produtores pelo País, o sistema
de plantio direto é uma tecnologia conservacionista que teve grande
desenvolvimento a partir da década de 1990. Além de reduzir a erosão e
evitar perdas de solo, o SPD reduz os custos de produção por não
necessitar revolver o solo (menor custo energético) e também aumenta o
rendimento das operações de semeadura, ampliando a janela de plantio
para o produtor.
O resultado desse estudo, no entanto, confirmou que,
após aproximadamente 20 anos de conversão das áreas sob manejo
convencional para o plantio direto, pode ocorrer, de fato, uma saturação
de carbono na camada superficial do solo.
"O
desafio da pesquisa é encontrar outras formas de promover o acúmulo de
carbono no solo. Já podemos afirmar, para o caso de solos agrícolas
corrigidos, que a rotação dessas áreas com pastagens, em sistemas que
integram lavoura e pecuária, é uma das formas de potencializar o plantio
direto, permitindo, assim, acumular carbono em camadas mais profundas
do perfil do solo", afirma o especialista. Segundo ele, a intenção agora
é continuar com esse monitoramento de longo prazo para avaliar como
será a evolução daqui pra frente.
Scientific
Reports é a única publicação de acesso livre do Nature Publishing Group.
O trabalho pode ser acessado na íntegra neste endereço
Foto: Sebastião José de Araújo
Fonte: Juliana Caldas/Embrapa Cerrados